segunda-feira, 4 de maio de 2009

Boris Vian

Morrerei de cancro na coluna vertebral
Há-de ser numa tarde horrível
Clara, quente, odorífera, sensual
Morrerei de putrefacção
De certas células mal estudadas
Morrerei de uma perna arrancada
Por um rato gigante saído de um buraco gigante
Morrerei de cem cortaduras
O céu desabará sobre mim
Quebrando-se como um vidro duro
Morrerei de uma voz que estoura
Estilhaçando-me as orelhas
Morrerei de feridas surdas
Infligidas às duas da manhã
Por assassinos indecisos e calvos
Morrerei sem me aperceber
Que morro, morrerei
Sepultado sob ruínas secas
De mil metros de algodão desabando
Morrerei afogado no óleo de despejo
Calcado aos pés pelos bichos indiferentes
E logo após pelos bichos diferentes
Morrerei nu, ou vestido de pano rubro
Ou cosido num saco com lâminas de barbear
Morrerei talvez sem me importar
Com verniz nas unhas dos pés
E de lágrimas as mãos cheias
E de lágrimas as mãos cheias
Morrerei quando me apartarem
As pálpebras sob um sol irado
Quando lentamente me disserem
Malícias junto ao ouvido
Morrerei de ver torturar as crianças
E os homens pasmados e pálidos
Morrerei corroído vivo
Pelos vermes, morrerei de
Mãos atadas sob uma cascata
Morrerei queimado num triste incêndio
Morrerei um pouco, demasiado
Sem paixão, mas com interesse
E depois, quando estiver tudo acabado
Morrerei.