terça-feira, 13 de outubro de 2009

Diogo Vaz Pinto

Estávamos a esquecer-nos tão depressa porque é
Que a morte era uma ideia assim
Tão triste, quando apagámos um nome
Da lista de contactos
No telemóvel e nos tentámos lembrar
De coisas como o som da sua voz, ou de como
Gostaria de ser recordado,
Aliás, (a palavra certa é outra) esquecido.

Então Abril chega e é só mais um mês,
E a primavera rebenta cada vez mais distante
Dos nossos gesto. Não contamos os cabelos,
Mas vê-se bem que são cada vez menos
E a juventude, essa foi uma piada que na altura
Não entendemos, e agora é já um pouco tarde
Para nos começarmos a rir.

A manhã abre um parêntesis enquanto ponho
A chaleira ao lume, pego num livro
Que larguei ali. Aborreço-me
Com os temas elevados e o modo inspirado
Como trocam impressões as personagens
Deste escritor.
Gostava que Deus existisse e nos visse assim,
De pijama na cozinha, remelosos e vazios,
À espera da primeira chávena de café
E de algum twist no enredo destes dias
Que vieram até aqui.

De volta ao quarto onde dorme ainda
A cinderela da noite passada,
Vou rabiscando umas linhas, uma metáfora
Molengona, a ver se colo duas estrofes
Que não se entendem entre elas.
Por motivos óbvios penso na mão
Que subiu pela saia da Mona Lisa
E lhe ensinou aquele sorriso.
É necessário ter tacto com coisas destas.

(…)

Ela demorou algum tempo a organizar-se,
Deixou-me um olhar cheio de barcos a afundar
E foi-se, à procura de outra cama e de um príncipe
Mais inclinado para finais felizes, ainda que
De curtíssima duração.

(…)

De qualquer modo não tenho já
Muito para onde ir. Agora estou para aqui
Como o coração meio-deixa-andar,
Lambido por suores frios, entre esperma e cinza,
Nestes lençóis, nas gengivas deste fim de manhã,
Escrevendo, passeando, como quem assobia
E tem agarrado pela trela algum abismo,
Um desses animais que apanham o que atiramos
E vão suportando a nossa companhia.