domingo, 3 de outubro de 2010

A noite ordinária - Alexandre O'Neill

Que bela noite ordinária que eu passei!

Foi isso há tempos
num quarto defendido pelas pulgas
e vigiado por um vento carteirista
que morava (disseste)
mesmo ali ao pé.

o problema da luz foi o primeiro
(que resolvemos apagando-a)
depois o das torneiras
depois o do marinheiro
que queria entrar nos nossos problemas
depois o teu
o teu problema já na cama
- na cama com mais paciência que encontrei!


Depois
falaste com as torneiras
e eu gritei.

Gritei por calculado amor
por brilhantina
por miséria
gritei até pela vitória
(supremo humor!)
dos que se batem contra a Cara-Alegre
gritei p'ra não parar de gritar
gritei «Chapultepec!» e «Oaxaca!»
(nomes por excelência afrodisíacos)
gritei até descobrir
o sítio em que te «escondias»

e então deixei-te gritar...

Quando a noite resignada
abria a última pálpebra
gritei ainda: «Mas, é isto o espelho!»

E o dia levantou-se como um cão
(imagem acessível à família...)
da bela noite ordinária
que passei...