domingo, 28 de novembro de 2010

O fascínio das mancas (1595)

Diz-se na Itália, num provérbio comum, que não conhece Vénus na sua perfeita doçura quem nunca foi para a cama com a manca. (...) Eu diria que talvez seja o movimento descomposto da manca que dá um novo prazer à coisa e aquela ponta de doçura àqueles que o experimentam, mas há pouco aprendi que tambéma  filosogia antiga o estabeleceu, pois diz que, por causa da sua imperfeição, as pernas e as coxas das mancas não recebem o alimento que lhes é devido, derivando daí que as partes genitais são mais nutridas e mais vigorosas. Ou, então, que dado que tal defeito impede o exercício, aqueles que são atingidos por isso dissipam menos as suas forças e chegam mais íntegros aos jogos de Vénus. (...) Unicamente pela autoridade do uso antigo e público deste dito, eu cheguei a querer que tivera mais prazer de uma mulher porque era manca e contei isto entre as suas graças.

Michel de Montaigne - Ensaios, III, 11